Encontro de CACONs e UNACONs do Rio Grande do Sul Para Construção de Protocolos Essenciais em Oncologia: Câncer de Mama
No dia 19 de junho de 2023, a Educare promoveu o primeiro Encontro de Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACONs) e Unidades de Alta Complexidade em Oncologia (UNACONs) do Rio Grande do Sul Para Construção de Protocolos Essenciais em Oncologia em Câncer de Mama.
O evento aconteceu no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e contou com a participação presencial ou online de gestores e atores envolvidos diretamente na jornada de pacientes que recebem atendimento através do sistema público de saúde.
Estiveram presentes representantes da Secretaria Estadual de Saúde do RS, Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do RS, o Presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), organizações de apoio a pacientes como Instituto da Mama do RS (IMAMA), Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA) e AAPECAN das cidades de POA e Ijui.
O objetivo do encontro foi de construir um protocolo essencial a partir de um mapeamento de gaps e gargalos durante a jornada do paciente com câncer de mama nos CACONs e UNACONs do estado. A partir de respostas dos centros e unidades a um questionário específico, baseado em guidelines atuais de câncer de mama, o Leader Group composto pelos oncologistas Dra. Alessandra Morelle e Dr. Otávio Al-Alam e pela enfermeira especialista em oncohematologia Valesca Cezar, elaborou uma sugestão de protocolo que contemplasse o mínimo considerado essencial pelos representantes dos centros de referência, assim como sugestões de melhorias e fragilidades a serem superadas na atual jornada do paciente com câncer de mama atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no RS. No dia do encontro, as equipes multidisciplinares de CACONs e UNACONs reuniram-se e, em formato colaborativo, discutiram os achados para então finalizar os dados e entregar o protocolo em formato de infográfico e paper report.
O câncer de mama é o tipo de câncer mais incidente entre as mulheres no mundo todo, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. No Brasil, apresenta taxas mais altas nas regiões Sul e Sudeste. Para o ano de 2023, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), estimam-se 73.610 novos casos no país, representando uma taxa de 41,89 casos a cada 100.000 mulheres. No Rio Grande do Sul, a taxa fica em torno de 36,60 casos por 100.000 mulheres, o que representa cerca de 3.720 casos novos de câncer de mama no estado. Além disso, na mortalidade proporcional por câncer em mulheres, no período de 2016-2020, o câncer de mama ocupa o primeiro lugar no país, representando 16,3% do total de mortes1.
É importante ressaltar que o câncer de mama é considerado de relativo bom prognóstico quando diagnosticado e tratado precocemente. Além disso, é uma das doenças mais estudadas em oncologia, considerado muito heterogêneo e com diferentes abordagens previstas em diretrizes e guidelines. No Brasil, a sobrevida média de cinco anos após o diagnóstico é de 80%. Os melhores resultados em sobrevida são em países desenvolvidos e estão relacionados principalmente ao diagnóstico precoce por mamografia, método altamente eficaz de rastreamento populacional quando indicado na faixa etária e periodicidade adequadas, além, claro, da evolução dos tratamentos2.
Atualmente, o câncer de mama tem seu prognóstico e tratamento definidos pela localização, idade de apresentação e estadiamento, e ainda fatores de risco que levam em consideração critérios histopatológicos, biológicos, moleculares e genéticos. Portanto, o diagnóstico precoce, a identificação de fatores de risco a partir de exames específicos, bem como o estadiamento e o encaminhamento ágil e adequado para o melhor tratamento, são fatores de alto impacto para a jornada dos pacientes2.
Políticas Públicas e Judicializações em Saúde
Ao diagnosticar uma doença grave como o câncer de mama, além do impacto psicológico que o paciente e os familiares enfrentam, existem ainda os entraves para o acesso à assistência e tratamento adequados. E quando falamos do Sistema Único de Saúde (SUS) e seus percalços que acabam atrasando e onerando a jornada do paciente, uma das vias que se apresenta como alternativa viável para pacientes e médicos, é a judicialização em saúde. Segundo o deputado estadual Dr. Thiago Duarte, esta via representa mensalmente aos cofres do estado do Rio Grande do Sul cerca de 15 milhões de reais e, em contrapartida, a criação de políticas públicas que aumentem a previsibilidade desses gastos, representaria uma economia de 150 milhões de reais ao ano, permitindo ao estado investir na ampliação do atendimento, em programas de prevenção, rastreamento e diagnóstico precoce e, até mesmo, na incorporação de novas tecnologias se comprovadamente eficazes no manejo de doenças graves como o câncer de mama.
Dentre os projetos de lei do deputado que hoje tramitam na assembleia legislativa e aguardam para serem votados, o PL 371/2019 dispõe sobre a criação de um Programa Estadual de Medicamentos de Alto Custo e Alta Complexidade (Oncológicos) e estabelece as diretrizes para formação de uma lista para aquisição de medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) do Estado do Rio Grande do Sul, evitando o sequestro de valores e a judicialização indevida. Além disso, é necessária a melhoria na gestão para aquisição e distribuição destas drogas destinadas a patologias que necessitem de ação imediata para seu controle. O PL 303/2021 prevê a criação de um Programa Estadual de aquisição de medicamentos, sendo este um programa de adesão dos municípios para a aquisição de medicamentos e outros bens, realizado pelo Estado do Rio Grande do Sul, e que tem por objetivo oferecer aos municípios a possibilidade de compra de medicamentos e outros bens, gerando maior eficiência e economia aos cofres públicos.
Além de todo o cenário que envolve pressão para incorporação de novas tecnologias e judicialização para acesso ao tratamento, não se pode esquecer que o câncer de mama, quando diagnosticado e tratado precocemente, possui altas chances de cura, por isso a importância de destinar recursos para programas de prevenção, rastreamento, diagnóstico e tratamento precoce. Neste sentido, há o PLC 182/2020, que também tramita na assembleia legislativa como projeto de lei complementar e que, segundo o Dr. Thiago Duarte, tem como objetivo assegurar a disponibilidade de recursos financeiros para programas e projetos voltados à prevenção e tratamento do câncer no estado do Rio Grande do Sul, garantindo que os pacientes recebam o melhor tratamento possível, resultando em uma melhor qualidade de vida. Outra proposta possível e já implementada no estado de São Paulo para aumentar os recursos disponíveis para a saúde no estado, é a reformulação da loteria estadual, destinando o recurso para áreas básicas como a saúde. Tal proposta (PL 46/2021) também tramita aguardando para ser votada e , se aprovada pelos parlamentares, autorizará o estado do Rio Grande do Sul a explorar o serviço público de loterias, observando o disposto na legislação federal quanto às modalidades lotéricas passíveis de operação, destinando parte da arrecadação à saúde dos gaúchos em programas como o Fundo de Combate ao Câncer.
A Jornada Do Paciente Com Câncer De Mama No RS: Do Essencial Aos Gargalos A Serem Superados
Os dados que deram origem ao infográfico elaborado para o encontro presencial e que embasaram a escrita deste paper report, são oriundos dos questionários encaminhados para os CACONs e UNACONs do estado. De um total de 31 centros/unidades convidados, 17 instituições enviaram suas respostas que foram analisadas pelos especialistas que compõem o Leader Group do projeto. O questionário aplicado continha 54 questões para mapeamento de gaps e gargalos na jornada do câncer de mama nos centros/ unidades de referência do estado do RS, que foram divididas em 5 sessões compreendendo a jornada do paciente (Rastreio e Diagnóstico,Tratamento, Deslocamento, Financiamento e Repasse, Equipe Multidisciplinar).
Quando pensamos na jornada ideal focada no câncer de mama, sabe-se que muito mais do que um diagnóstico precoce, também são necessárias políticas de prevenção e promoção em saúde e facilidade de acesso a tratamentos mais modernos para um cenário de paciente com doença metastática. Neste sentido, destaca-se a importância de ações intersetoriais que ampliem o acesso à informação e práticas preventivas, além da redução das barreiras de acesso aos serviços de saúde para a detecção precoce, lembrando que o câncer de mama é potencialmente curável quando diagnosticado e tratado precocemente.
No quesito prevenção, nota-se amplo engajamento dos centros/unidades em campanhas de prevenção e rastreamento realizadas em outubro, mês em que mundialmente acontecem campanhas que buscam a conscientização das mulheres sobre prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama. Porém, faltam iniciativas que contemplem os demais meses do ano e que sejam voltadas não só para o rastreamento e diagnóstico precoce, mas também, para o estimulo de hábitos de vida saudável, como a prática de atividade física e a cessação do tabagismo, que são fatores de risco intimamente ligados ao câncer de mama. Ainda é preciso considerar que tais campanhas de promoção e prevenção em saúde devem ser o foco da atenção básica em saúde, visto esta ser a porta de entrada do usuário no SUS, além de estar mais próxima do cotidiano das pacientes e as acompanharem ao longo dos anos.
Os centros/unidades de referência devem engajar-se em campanhas de prevenção, não somente no Outubro Rosa, mas como parceiros da atenção básica na construção de ações, palestras e materiais educativos que tenham esta finalidade. Outro mecanismo de prevenção e promoção em saúde a ser considerado é o uso de aplicativos digitais que auxiliem na disseminação de conhecimento baseado em evidências, elaborado por especialistas que orientem e empoderem os pacientes sobre a importância da prevenção, rastreamento e diagnóstico precoce do câncer de mama.
No que tange ao rastreamento, os centros/unidades possuem realidades semelhantes e apontaram como métodos adequados de rastreamento a mamografia e a ecografia mamária, realizadas ainda na atenção primária em saúde conforme recomendado. As diretrizes brasileiras preconizam o rastreamento mamográfico entre mulheres de 50a 69 anos, a cada dois anos, e apesar de não ser uma ferramenta perfeita de rastreamento, as evidências científicas atuais confirmam uma redução de 20-25% na mortalidade por câncer de mama através desse esquema3. Importante ressaltar que em casos de suspeita de câncer de mama, com presença de nódulo, dor, coceira ou secreção e independentemente da idade, é garantido por lei o acesso à mamografia pelo SUS, bem como de mulheres com história familiar de câncer muito próxima, devendo ter seu rastreamento individualizado.
Apesar da indicação assertiva da mamografia como método de rastreio, alguns centros ainda trouxeram o exame clínico das mamas e o autoexame como alternativas viáveis, porém, sabe-se que esses métodos não são recomendados. No entanto, deve-se incentivar o autoconhecimento das mamas por parte dos pacientes para que sejam capazes de notar qualquer alteração e procurar atendimento médico precoce nestes casos. Outro ponto relevante é a necessidade de acesso aos exames de rastreio em até 30 dias após solicitado, visto que nos casos de positividade do exame os pacientes devem ter acesso ao diagnóstico o mais rápido possível, impactando nos índices de morbimortalidade.
No caso de positividade em exames de rastreio, os pacientes são então encaminhados aos centros/ unidades de referência do sistema de atendimento público regulado. Os dados levantados das 17 instituições e também pautados no dia do encontro evidenciam importantes fragilidades a serem superadas no encaminhamento à atenção especializada. Pacientes são encaminhados para diferentes centros quando necessitam, por exemplo de avaliação de um mastologista e de um oncologista, dificultando sua jornada, bem como onerando o sistema com a realização de exames repetidos e a fragmentação do cuidado. Além disto, é importante destacar que os pacientes podem ainda necessitar de investigação de tumores concomitantes e também de manejo clínico, sendo então, novamente direcionados para diferentes centros, ao invés da centralização do cuidado.
Os casos suspeitos são sempre encaminhados para biópsia, porém, em alguns centros/unidades o tempo de espera para realização de biópsia mamária é superior a 15 dias e o tempo para acesso ao resultado pode ser superior a 30 dias. Em uma importante parcela das respostas, a imunohistoquímica não é ato- reflexo, necessitando de uma nova solicitação para ser realizada. Com o esclarecimento apresentado no encontro por Dr. João Marcelo Lopes Fonseca, Diretor Geral de Atenção Especializada da Secretaria Estadual de Saúde, todos os centros têm acesso à imunohistoquímica como ato-reflexo, não sendo necessário ser solicitado por um profissional específico. É provável haver necessidade de avaliação de contrato entre o CACON/UNACON com a sua Secretaria, sendo possível providenciar este ajuste localmente. Complementando, juridicamente é sabido que os pacientes têm assegurado por lei a garantia de acesso aos exames para confirmação diagnóstica em até 30 dias (Lei 13.896/2019) e em até 60 dias o direito ao primeiro tratamento (Lei 12.732/2012).
Ainda se tratando de diagnóstico, percebe-se que os centros possuem acesso aos exames de mutação HER2, entretanto, poucos têm acesso a exames moleculares e, quando tem, são a partir de parcerias com a indústria ou centros de pesquisa. Exames como PDL1, PI3K poderiam estar disponíveis para casos a serem analisados individualmente. Outro ponto importante destacado nas respostas dos centros foi a ausência de serviço de genética ou possibilidade de encaminhamento dentro da própria rede de atenção à saúde, surgindo assim, a sugestão do teleatendimento em genética, podendo se dar a partir de uma parceria com a Sociedade Brasileira de Genética, serviço esse a ser oferecido a pacientes jovens em tratamento neoadjuvante, otimizando os tempos de tratamento cirúrgico e oportunizando a reconstrução da mama simultaneamente à cirurgia.
A preservação da fertilidade, mesmo sabendo-se que a existência de Centros de Fertilidade estejam longe da realidade de CACONs e UNACONs do estado e do próprio SUS, foi relatado como de extrema importância como parte da educação do paciente após o diagnóstico de mulheres jovens com prole incompleta. Foi também sugerido no encontro que , diante desta realidade, seja utilizado LHRH para preservar a função ovariana dessas pacientes.
Em relação ao estadiamento do câncer de mama, percebe-se um consenso que vai ao encontro das Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT) do câncer de mama:
- Estadio I – Sem exames de estadiamento específicos
- Estadio IIA – Raio X de tórax e ecografia abdominal
- Estadio IIB a IV -Tomografia de tórax e abdômen, cintilografia óssea
Entretanto, o acesso aos exames de estadiamento podem demorar de 30 a 60 dias, o que impacta negativamente na jornada do paciente com câncer de mama e dificulta a definição ou troca de tratamento e avaliação de resposta. É importante frisar que seria imprescindível a criação e ampliação de agendas de tomografia específicas para oncologia, aumentando o acesso e evitando exames onerosos e por vezes pouco esclarecedores como, por exemplo, a cintilografia óssea. Também foi sugerido ampliar o diálogo com radiologistas com o objetivo de sensibilizá-los para avaliações de janela óssea em tomografias de tórax e abdômen de pacientes oncológicos, sinalizando alterações nos laudos se houver. Outras sugestões pertinentes, são a disponibilização de PET-CT para exames de pacientes com câncer de mama metastático para avaliação de resposta, tendo em vista o alto custo do tratamento nesta fase e a disponibilização de exames para avaliação de PCR na própria instituição, com o intuito de direcionar e avaliar melhor o tratamento.
O tratamento do câncer de mama se constitui de três pilares principais: tratamento sistêmico, radioterapia e cirurgia. Após os exames diagnósticos a paciente é encaminhada ao mastologista e ao oncologista. Neste sentido, a sugestão do Leader Group e dos centros de referência é de que a consulta com os especialistas seja realizada de forma casada, a fim de otimizar o percurso e a definição da necessidade de um tratamento neoadjuvante, adjuvante, avaliando-se posteriormente a inclusão de radioterapia.
A partir das respostas dos centros e com base nas principais diretrizes nacionais e internacionais, o Leader Group desse projeto reforça a importância da uniformização do tratamento sistêmico, ressaltando o duplo bloqueio como padrão ouro, ainda não disponível no cenário inicial (4 ciclos/até 18 ciclos) e a importância do TDM-1 já incorporado pelo SUS, mas não disponível nos centros (até 14 ciclos).
Cenário Adjuvante/Neodjuvante:
- Neodjuvância:
- HER2+: Duplo Bloqueio (94% dos centros utilizam somente o Trastuzumabe);
- Triplo negativo: Pembrolizumabe associado a Carbo/Taxol+AC;
- Adjuvância:
- RPC Completa: Duplo Bloqueio
- RPC Incompleta: TDM1 (94% dos centros utilizam somente o Trastuzumabe);
Cenário metastático:
- HER2:
- Primeira linha: garantir acesso ao duplo bloqueio;
- Segunda linha: discutir o acesso ao deruxtecano; discutir o acesso a neratinibe (droga oral de menor custo);
- RH positivo
- Acesso a inibidores de ciclina em segunda linha;
- Acesso a fulvestranto na dose plena de 500mg a cada 28 dias;
A partir desta sugestão, evidencia-se a necessidade de participar ativamente nas discussões de incorporação de novas drogas junto ao Ministério da Saúde e da indústria, bem como tensiosar para a aprovação de novas drogas, especialmente as disponíveis para administração oral e subcutânea, visto que a falta de espaço (falta de poltronas) e de mão-de-obra para administração de tratamentos sistêmicos endovenosos são fatores que impactam os centros/unidades de referência. Além disso, a necessidade de diminuir a judicialização destes tratamentos parece ser urgente, podendo se concretizar a partir da criação de métodos e listas de medicamentos que possam incentivar a previsibilidade de gastos e otimizar o uso de recursos financeiros do estado. Outra sugestão relevante é a avaliação da substituição de drogas de mesma aplicabilidade, algo que já vem sendo feito em alguns centros, mesmo que com pequena diferença de custos (exemplo pamidronato e zoledronato), mas que impactam significativamente na otimização de espaços e ampliação da capacidade dos centros para tratamentos sistêmicos.
Em relação ao tratamento cirúrgico, é importante destacar que a maioria dos centros possui de forma adequada o acesso a cirurgias reconstrutoras no mesmo tempo cirúrgico, o que otimiza e melhora a qualidade de vida dos pacientes. Da mesma forma, a maioria dos centros dispõe de congelamento intraoperatório para pesquisa de linfonodo sentinela; entretanto, percebe-se uma fragilidade nos pedidos de imunohistoquímica de peças enviadas para patologia, pois só podem ser solicitadas em um segundo momento. Ainda é importante ressaltar que existe um gap significativo entre a cirurgia e o encaminhamento ao oncologista, por vezes ocasionado por questões referentes à regulação como já pautado anteriormente, ou ainda à demora para acessar o resultado do anatomopatológico da peça. Outro ponto relevante a considerar refere-se à demora na realização de exames pré-operatórios, fato mais evidenciado em centros de referência de hospitais gerais, devido à alta demanda de exames solicitados por diferentes especialidades médicas.
O tratamento de radioterapia, quando indicado, é de extrema importância para a jornada do paciente com câncer de mama, porém, é uma das etapas em que o paciente mais encontra dificuldades. Esta realidade se deve à baixa disponibilidade de equipamentos no RS, ainda que, se comparado a outras regiões do país, o estado esteja em vantagem. Entre os dados mapeados, 47% dos centros/ unidades de referência não possuem serviços de radioterapia, sendo necessário encaminhamento do paciente aos serviços credenciados ao sistema. Os centros apontam que, entre os fatores que levam à desistência do tratamento por parte dos pacientes, a distância da residência até o local de tratamento pode ser determinante. Foram relatados casos em que as distâncias variam de 45 a 180 Km da residência do paciente. Diante disto, fica evidente a necessidade de um serviço social exclusivo e atuante nos centros de oncologia com o objetivo de orientar os pacientes sobre seus direitos de obter transporte e casa de apoio quando o centro de tratamento estiver muito distante de seu domicílio. Outro dado apontado é a demora para iniciar o tratamento radioterápico, uma vez que, em alguns centros o tempo de espera vai além de 30 dias, distanciando-se da jornada ideal do paciente com câncer de mama.
As DDTs atuais, bem como as políticas do SUS direcionadas ao paciente com câncer, contemplam desde a prevenção até os cuidados paliativos a pacientes com doença avançada ou não. Sabendo-se que o ideal é disponibilizá-los desde o diagnóstico até o final da jornada, estaríamos impactando positivamente a qualidade de vida e sobrevida dos pacientes com câncer de mama. Apesar disto, 47% dos centros não contam com serviços de cuidados paliativos e onde há, oferecem somente para a parcela de pacientes refratários, ou seja, com doença avançada e em fase final de vida. Não houve dados suficientes para inferir se os cuidados paliativos são oferecidos a partir de uma equipe multidisciplinar exclusiva ou através de iniciativas isoladas nos centros. Entende-se que, sendo o câncer uma doença ameaçadora à continuidade da vida, deve-se promover capacitação à equipe e garantir este cuidado especializado, senão para todos os pacientes, para os pacientes com doença avançada.
Os centros em sua grande maioria contam com equipe multiprofissional para atenção a paciente com câncer de mama, destacando-se a presença de psicólogos disponíveis para atendimento tanto ao paciente quanto aos familiares. No entanto, o contato não tem sido no início da jornada e sim no decorrer da mesma, falhando na proposta de identificar e intervir precocemente em possíveis problemas/dificuldades de adesão ao tratamento. Outra fragilidade apontada é a ausência de programas de navegação, onde o enfermeiro navegador, profissional especializado em oncologia, atua como um elo entre as áreas assistenciais e administrativas, coordenando e auxiliando na jornada do paciente com câncer de mama de forma sincronizada e ágil, impactando significativamente na melhora da qualidade de vida, em desfechos clínicos e em sobrevida4. Neste estudo, somente 8 dos 17 centros que participaram respondendo ao questionário informam dispor de enfermeiro navegador na equipe.
Além de mapear questões específicas da jornada do paciente, o questionário procurou compreender o impacto da jornada oncológica na qualidade de vida dos pacientes e apontar as dificuldades da equipe de saúde e das instituições no oferecimento deste cuidado. Em relação a distância do centro/unidade de referência do domícilio dos pacientes, 65% dos centros referiu que os pacientes chegam a percorrer distâncias entre 16 a 40km e acima de 70km para realizarem seus tratamentos, utilizando-se na grande maioria das vezes do transporte municipal da prefeitura para o deslocamento.
Diante disso, a distância/tempo de deslocamento até o centro de tratamento e o gasto com transporte estão entre os fatores apontados pelos centros como barreiras para o tratamento medicamentoso, referido pelos pacientes, acompanhado do longo tempo de permanência no centro, a frequência de idas até o centro e os efeitos colaterais do tratamento. Segundo os centros, as principais barreiras para qualidade de vida apontadas pelos pacientes são as limitações físicas e a dor, bem como o deslocamento até o local de tratamento, os atrasos no diagnóstico e início do tratamento e a falta de acesso aos cuidados adequados. O principal motivo para interrupção do tratamento segundo a totalidade dos centros são os efeitos colaterais, seguidos pela progressão da doença e pela desistência do tratamento por parte do paciente.
Em relação às dificuldades da equipe de saúde e da instituição em oferecer o melhor cuidado durante a jornada essencial em oncologia em câncer de mama, estão fatores relacionados as divergências entre os guidelines da instituição e a DDT atual, logística, desabastecimento e também fatores como falta de espaço e tempo para aplicação de terapias endovenosas em função das limitações estruturais e humanas dos CACONs e UNACONs.
Considerando as potencialidades, fragilidades e gargalos mapeados, evidencia-se a importância da otimização da jornada do paciente a fim de reduzir tempos para diagnóstico e tratamento, impactando em desfechos e morbimortalidade, mas também, identificando e interferindo positivamente em possíveis fatores que levem à desistência do tratamento, através da assistência multidisciplinar. Além disso, deve-se avaliar a utilização de terapias eficazes que otimizem custos e recursos, humanos e físicos, ampliando a capacidade dos centros.
E por fim, mas não menos importante, devemos discutir novamente a relevância de exames como imunohistoquímica reflexa e PCR realizado rotineiramente na instituição. Este encontro demonstrou, que todos os envolvidos nesta jornada trabalham com os mesmos propósitos: facilitar o acesso ao tratamento dos pacientes com câncer de mama e disponibilizar um atendimento digno e humanizado no sistema de saúde pública no estado do Rio Grande do Sul.
Elaborado por Valesca Cezar (COREN/RS 464.801) – Enfermeira especialista em oncohematologia do
Leader Group do projeto.
Colaboração de Alessandra Morelle (CREMERS 22564) e Otávio Al-Alam (CREMERS 39863) – Médicos oncologistas do Leader Group do projeto.
Revisão de Luciana França e Sabrina Lauffer de Almeida – Coordenadoras de Projetos da Educare
Assista o pós evento acessando: https://eduprimebrasil.com.br/encontro-de-cacons-unacons-de-rio- grande-do-sul-para-construcao-de-protocolos-essenciais-em-oncologia-cancer-de-mama/
Julho de 2023.
Referências
- Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Ciência,Tecnologia e Insumos estratégicos. Portaria Conjunta nº 5, de 18 de abril de 2019. Aprova as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Carcinoma de Mama. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2019.
Disponível em: https://www.gov.br/saude/ptbr/assuntos/PCDT/ddt_carcinoma_cancerde_mama.pdf
- Rio de Janeiro, RJ: Instituto Nacional do Câncer, 2022. Dados e números sobre câncer de mama: Relatório Anual 2022.
Disponível em: chrome- https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/dados_e_numeros_site_cancer_mama_novembro2022_0.pdf
- Dos-Santos-Silva Políticas de controle do câncer de mama no Brasil: quais são os próximos passos?.Cad Saúde Pública [Internet]. 2018;34(6): e 00097018.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/c3Ymmf3gpWZW5xqHnQLJLWc/#.
- BORCHARTT, Dara Brunner; SANGOI, Kelly Cristina Meller. A importância do enfermeiro navegador na assistência ao paciente oncológico: uma revisão integrativa da Research, Society and Develop v. 11, n. 5, p. 2022.
Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/28024.